segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Polícia Carioca já Matou 961 "Suspeitos"

Segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio, em 2007, a polícia carioca prendeu 22% menos criminosos do que em 2006; e, pasmem: matou 21% a mais!

Este é o conteúdo da notícia que o site IG divulgou hoje. Clique aqui para ver a notícia na íntegra e conferir mais dados. Além, é claro, dos comentários de vários internautas comemorando os números e parabenizando a polícia pela sua atuação...

Um belo dia desta semana eu acordo e vejo uma série de notícias, no telejornal, que envolviam violência extrema. E como um gran finale, a cena dos policiais caçando traficantes da Favela da Coréia como se fossem coelhos, transmitidas pela Rede Globo de televisão exaustivamente e com uma naturalidade que deixou bem clara a postura de indiferença da referida emissora. Para minha surpresa, parte significativa do país reagiu com indignação as imagens, o que obrigou a emissora a localizar, no vídeo, uma arma pesada na mão de um dos traficantes executados sumariamente. Isto depois de dar voz a organizações do movimento por direitos humanos, numa clara manobra que visou justificar e legitimar a ação da polícia carioca.

O debate que devemos fazer não é o de quem é o mocinho e o bandido, até porque, a esta altura, este debate fica meio difícil de ser feito... O grande debate, escondido por trás deste, porém muito mais importante para a sociedade como um todo, é: será que estas ações da polícia contrinuem para acabar com a violência no Rio?

A elite brasileira, do alto de sua hipocrisia demagógica, vê no policiamento ostencivo a solução para o problema da violência. É muito cômodo pra quem não é capaz de (e quer evitar a qualquer preço) fazer o real debate sobre os problemas mais profundos do país, que são a fonte de toda esta crise de violência que o país vive...

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Ferréz mais uma vez...

Tem um comentário do Ferréz sobre o seu texto na Folha de São Paulo no blog dele (http://www.ferrez.blogspot.com/). Eu não tenho procuração para defendê-lo, nem teria peso para isso também, mas como me considero acima de qualquer suspeita...

Embora reconheça o seu papel pioneiro ao cavar espaço para o surgimento de todo um movimento literário da periferia chamado Literatura Marginal, não assino em baixo de tudo que o Ferréz escreve, por motivos que num outro post eu posso comentar. Acredito que o Ferréz erra em alguns de seus posicionamentos. Mas, não neste caso. Desta vez ele acertou na mosca... E esse papo de o texto ter sido publicado no Tendências e Debates não justifica que não seja feita uma leitura de um texto obviamente literário, escrito por um escritor de literatura.

Não tenho o mesmo tipo de crítica conservadora e reacionária que a imprensa marrom brasileira e a elite deste mesmo país fazem... Não faço coro com os absurdos que estão afirmando por aí, quero deixar claro...

Afinal de contas, quem é o Ferréz? O que ele faz?

O Ferréz é um escritor, lembram-se? A imprensa e a elite brasileiras são tão preconceituosas que não conseguem ler um texto do Ferréz e se darem conta de que estão lendo LITERATURA. O problema é que um MANO, um FAVELADO, não pode se dar ao luxo de usar de licença poética...

O Luciano Huck, este sim, pode gritar pelo Capitão Nascimento e ninguém se manifesta? E ele nem é escritor. Aliás, ele escreve tão bem como comanda o seu programa...

Ferréz não queria bancar o advogado do "correria". Ele queria despertar uma reflexão. O problema é que os fãs do Capitão Nascimento de plantão estão sentindo medo... Muito medo... E daí para para a raiva é somente um passo...

Sobre o texto do Luciano Huck, expressa bem quem ele é e o que pensa. Assim como expressa também o que a playboyzada no Brasil, de um modo geral, pensa. Ele está trilhando um caminho de bom-mocismo que o Netinho já trilhou também, mas falhou (a agressão a sua esposa e ao Vesgo do "Pânico" lhe custaram a queda de sua máscara e do seu prestígio...).

Agora eu pergunto: Quem vai tirar a máscara do Luciano Huck? Será que existe playboy bem intencionado?

Eu sinceramente não acredito...

O problema é que a elite acredita que o "correria" que roubou o Luciano Huck é mal por natureza. E ela (a elite) não tem nada com isso. Não estão dispostos a ceder nada, não abrem mão de nada, de nem um centavo. Quanto mais de um rolex...

Quem sabe se o Ferréz fosse um professor universitário e escrevesse um texto burocraticamente acadêmico... Citando Jean-Jacques Rousseau e a teoria do bom selvagem... Dizendo que a sociedade é que corrompe o homem e tal... Porque, na prática, o que ele quis inserir no debate foi este conceito, nada mais que isso. Ele quis mostrar ao leitor da Folha de São Paulo o ser humano que habita o corpo do ladrão do roléx, e que ele poderia ter tido uma outra chance na vida. Quis mostrar que a contra-partida de muitos andarem por aí com um roléx que paga várias casas populares no pulso são as centenas que vão ter que morar em barracos de madeirite. Esse é o preço que nossa sociedade paga. É a lógica do capitalismo.

Mas o problema não é o conceito. O problema é que a periferia não pode ter voz.


A elite brasileira está apavorada.

Boa Ferréz!!!

Luciano Huck X Ferréz


De que lado você está?


Seguem os dois textos publicados na Folha, um do Luciano Huck e outro do Ferréz. Na sequência eu opino...

Pensamentos Quase Póstumos
LUCIANO HUCK


Luciano Huck foi assassinado. Manchete do “Jornal Nacional” de ontem. E eu, algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial. E, quem sabe, uma homenagem póstuma no caderno de cultura.Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio. Por quê? Por causa de um relógio. Como brasileiro, tenho até pena dos dois pobres coitados montados naquela moto com um par de capacetes velhos e um 38 bem carregado. Provavelmente não tiveram infância e educação, muito menos oportunidades. O que não justifica ficar tentando matar as pessoas em plena luz do dia. O lugar deles é na cadeia.

Agora, como cidadão paulistano, fico revoltado. Juro que pago todos os meus impostos, uma fortuna. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa. Adoro São Paulo. É a minha cidade. Nasci aqui. As minhas raízes estão aqui. Defendo esta cidade. Mas a situação está ficando indefensável. Passei um dia na cidade nesta semana -moro no Rio por motivos profissionais - e três assaltos passaram por mim. Meu irmão, uma funcionária e eu. Foi-se um relógio que acabara de ganhar da minha esposa em comemoração ao meu aniversário. Todos nos Jardins, com assaltantes armados, de motos e revólveres. Onde está a polícia? Onde está a “Elite da Tropa”? Quem sabe até a “Tropa de Elite”! Chamem o comandante Nascimento! Está na hora de discutirmos segurança pública de verdade. Tenho certeza de que esse tipo de assalto ao transeunte, ao motorista, não leva mais do que 30 dias para ser extinto. Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção de relógios e pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito.

Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como tentar fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um trabalho sério e eficiente em sua missão. Meu prazer passa pelo bem-estar coletivo, não tenho dúvidas disso. Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso que queria para a minha cidade. Não queria assumir que estávamos vivendo em Bogotá. Errei na mosca. Bogotá melhorou muito. E nós? Bem, nós estamos chafurdados na violência urbana e não vejo perspectiva de sairmos do atoleiro.

Escrevo este texto não para colocar a revolta de alguém que perdeu o rolex, mas a indignação de alguém que de alguma forma dirigiu sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais equilibrado e justo e concluir - com um 38 na testa - que o país está em diversas frentes caminhando nessa direção, mas, de outro lado, continua mergulhado em problemas quase “infantis” para uma sociedade moderna e justa. De um lado, a pujança do Brasil. Mas, do outro, crianças sendo assassinadas a golpes de estilete na periferia, assaltos a mão armada sendo executados em série nos bairros ricos, corruptos notórios e comprovados mantendo-se no governo. Nem Bogotá é mais aqui.

Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia? Quem compra as centenas de relógios roubados? Onde vende? Não acredito que a polícia não saiba. Finge não saber. Alguém consegue explicar um assassino condenado que passa final de semana em casa!? Qual é a lógica disso? Ou um par de “extraterrestres” fortemente armado desfilando pelos bairros nobres de São Paulo?Estou à procura de um salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no “Roda Vida” da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, “Tropa de Elite” é uma obra de ficção e que aquele na tela é o Wagner Moura, o Olavo da novela. Pensei no presidente, mas não sei no que ele está pensando. Enfim, pensei, pensei, pensei. Enquanto isso, João Dória Jr. grita: “Cansei”. O Lobão canta: “Peidei”. Pensando, cansado ou peidando, hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto para chamar de seu, não se preocupe: a sua hora vai chegar.

Desculpem o desabafo, mas, hoje amanheci um cidadão envergonhado de ser paulistano, um brasileiro humilhado por um calibre 38 e um homem que correu o risco de não ver os seus filhos crescerem por causa de um relógio. Isso não está certo.

Resposta:

Pensamentos de um “Correria”
FERRÉZ


Ele me olha, cumprimenta rápido e vai pra padaria. Acordou cedo, tratou de acordar o amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café. A mãe já está na padaria também, pedindo dinheiro pra alguém pra tomar mais uma dose de cachaça. Ele finge não vê-la, toma seu café de um gole só e sai pra missão, que é como todos chamam fazer um assalto.

Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos vão gastar o dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar impostos.Quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar. A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra sentimentalismo.

O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro escuro não deixa mostrar nada. O motoboy tenta se afastar, desconfia, pois ele está com outro na garupa, lembra das 36 prestações que faltam pra quitar a moto, mas tem que arriscar e acelera, só tem 20 minutos pra entregar uma correspondência do outro lado da cidade, se atrasar a entrega, perde o serviço, se morrer no caminho, amanhã tem outro na vaga. Quando passa pelos dois na moto, percebe que é da sua quebrada, dá um toque no acelerador e sai da reta, sabe que os caras estão pra fazer uma fita.

Enquanto isso, muitos em seus carros ouvem suas músicas, falam em seus celulares e pensam que estão vivos e num país legal. Ele anda devagar entre os carros, o garupa está atento, se a missão falhar, não terá homenagem póstuma, deixará uma família destroçada, porque a sua já é, e não terá uma multidão triste por sua morte. Será apenas mais um coitado com capacete velho e um 38 enferrujado jogado no chão, atrapalhando o trânsito.

Teve infância, isso teve, tudo bem que sem nada demais, mas sua mãe o levava ao circo todos os anos, só parou depois que seu novo marido a proibiu de sair de casa. Ela começou a beber a mesma bebida que os programas de TV mostram nos seus comerciais, só que, neles, ninguém sofre por beber.Teve educação, a mesma que todos da sua comunidade tiveram, quase nada que sirva pro século 21. A professora passava um monte de coisa na lousa -mas, pra que estudar se, pela nova lei do governo, todo mundo é aprovado? Ainda menino, quando assistia às propagandas, entendia que ou você tem ou você não é nada, sabia que era melhor viver pouco como alguém do que morrer velho como ninguém.Leu em algum lugar que São Paulo está ficando indefensável, mas não sabia o que queriam dizer, defesa de quem? Parece assunto de guerra. Não acreditava em heróis, isso não! Nunca gostou do super-homem nem de nenhum desses caras americanos, preferia respeitar os malandros mais velhos que moravam no seu bairro, o exemplo é aquele ali e pronto. Tomava tapa na cara do seu padrasto, tomava tapa na cara dos policiais, mas nunca deu tapa na cara de nenhuma das suas vítimas. Ou matava logo ou saía fora. Era da seguinte opinião: nunca iria num programa de auditório se humilhar perante milhões de brasileiros, se equilibrando numa tábua pra ganhar o suficiente pra cobrir as dívidas, isso nunca faria, um homem de verdade não pode ser medido por isso.Ele ganhou logo cedo um kit pobreza, mas sempre pensou que, apesar de morar perto do lixo, não fazia parte dele, não era lixo.

A hora estava se aproximando, tinha um braço ali vacilando. Se perguntava como alguém pode usar no braço algo que dá pra comprar várias casas na sua quebrada. Tantas pessoas que conheceu que trabalharam a vida inteira sendo babá de meninos mimados, fazendo a comida deles, cuidando da segurança e limpeza deles e, no final, ficaram velhas, morreram e nunca puderam fazer o mesmo por seus filhos! Estava decidido, iria vender o relógio e ficaria de boa talvez por alguns meses. O cara pra quem venderia poderia usar o relógio e se sentir como o apresentador feliz que sempre está cercado de mulheres seminuas em seu programa. Se o assalto não desse certo, talvez cadeira de rodas, prisão ou caixão, não teria como recorrer ao seguro nem teria segunda chance. O correria decidiu agir. Passou, parou, intimou, levou. No final das contas, todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio.

Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes.