quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O Almirante Negro





"Nós marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá, e até então não nos chegou, rompemos o véu negro que nos cobria aos olhos do enganado e patriótico povo. Achando-se todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os oficiais... Reformar o código imoral e vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; aumentar o nosso soldo... educar os marinheiros que não têm competência para vestir a orgulhosa farda... Tem V. Excia. o prazo de 12 horas para mandar-nos a resposta satisfatória, sob pena de ver a pátria aniquilada... (assinado) marinheiros."



Este foi o ultimato enviado ao presidente da República, Hermes da Fonseca, pelo grupo de marinheiros rebeldes liderados por João Cândido em 23 de novembro de 1910. A chamada "Revolta da Chibata" foi um movimento contra a alimentação estragada servida aos marinheiros, contra os castigos corporais e o racismo. A tradição brasileira seguia costumes herdados da escravidão e de diferentes esquadras, como a inglesa, que impunha a chibata aos marinheiros.



A marinha de guerra brasileira era das mais fortes do mundo à época. Aqueles que duvidaram que marinheiros semi-analfabetos pudessem manobrar uma das mais potentes esquadras do mundo tremeram depois sob a mira de João Cândido, o "almirante negro". Com o governo Hermes da Fonseca recém-empossado e o apoio da população do Rio de Janeiro, o Congresso aprovou as reivindicações dos marinheiros, inclusive a anistia, no dia 25 de novembro.



João Cândido confiou na decisão e retirou as bandeiras vermelhas dos mastros. O governo lançou violenta repressão, mesmo sob a reação dos marinheiros, com dezenas de mortes e centenas de deportações. João Cândido foi preso e permaneceu encarcerado durante 18 meses, em prisão subterrânea, sob protesto de políticos como Rui Barbosa. Foi internado em hospital de alienados e, novamente preso e solto, após alguns anos. Tuberculoso, conseguiu restabelecer-se e sobreviver como vendedor do mercado de peixes no Rio de Janeiro, onde morreu em 1969, sem patente e na miséria.



A sua memória foi resgatada pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc, no samba O mestre-sala dos mares, que levou este nome porque o título "Almirante Negro" não agradou a censura na época.



Existe um projeto de lei no Senado que concede anistia post mortem ao almirante negro João Cândido Felisberto.



Fonte: Texto de Roberta Amaral (clique aqui)

Revolta da Chibata












Mestre-Sala dos Mares
(João Bosco e Aldir Blanc)

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar apareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas
Jorravam das costas dos negros
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do marinheiro gritava, então:

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias,
Glória à farofa, à cachaça, às baleias,
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esqueceram jamais...

Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

(Mas, salve...)
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais