sexta-feira, 21 de maio de 2010

Virada Cultural: Preconceito e Hipocrisia



A Virada Cultural de São Paulo se tornou um evento comemorado por todos. Para governos que não possuem uma política cultural, como o do Estado de SP e o da capital (você se lembra de algum outro projeto de peso?), qualquer ação seria bem vinda, ainda que ela não esteja inserida num planejamento de médio e longo prazo e seja uma intervenção pontual apenas. De qualquer forma, embora haja um grau de aceitação (até por parte de setores da esquerda...) com relação à Virada Cultural, existem problemas a serem corrigidos, que são uma consequência da própria visão preconceituosa que organiza o evento. Senão, vejamos.

Em 2006, uma confusão, provocada pela atuação da polícia (veja o que escrevi na época aqui e aqui também) estabeleceu um tumulto num show do Racionais MC's. Este tumulto foi alardeado pelos 4 cantos do país, pela imprensa tupiniquim. A sociedade se colocou, de forma hipócrita e preconceituosa, contra o hip hop, criminalizado pela mídia e pelo próprio Governo do Estado de SP. Tanto que, em 2007, um único palco isolado abrigou o hip hop, sob revista e num espaço fechado. Foi o único segmento musical tratado assim, como "leprosos", sob "geral" e num espaço fechado, isolado enquanto manifestação dos demais estilos musicais, totalmente fora do próprio espírito da Virada Cultural. De lá pra cá, o hip hop foi sendo sistematicamente excluído da Virada Cultural, ao ponto de em 2010 o movimento organizar uma Virada Alternativa.

Tudo isto seria lamentável, de qualquer forma. Em se tratando de uso de dinheiro público, pior...

O mais interessante, e não menos lamentável, é a postura da sociedade e da imprensa este ano.

Após a Virada Cultural ter deixado como saldo 1 morte, 4 feridos e um episódio de agressão à profissionais da TV Cultura, que saíram sob escolta da tropa de choque, a imprensa "evitou" tocar no assunto. Será que foi porque o Serra é candidato à presidência? Somente o jornal "Estadão", mas sem muito destaque, e o portal "Yahoo!", que reproduziu a matéria, repercutiram o fato. E, é claro, sem citar os artistas envolvidos nos palcos dos shows onde ocorreram os incidentes. O que é até interessante, por bom senso, evitando culpar os artistas pelas ocorrências ou estigmatizar o público de um estilo musical específico. Mas, porque com o Racionais MC's a postura foi diferente?

Eu digo: porque nossa sociedade considera o hip hop uma manifestação cultural inferior, feita por pretos, putas e pobres, que não é digna de apoio do Estado, com dinheiro público. Ou seja, por preconceito de raça e de classe, fundamentado na ignorância.

Você já ouviu alguém questionar o recurso gasto com a OSESP, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo? Mesmo não gostando de musica clássica, o cidadão paulistano médio não questiona esta política do governo, que custa milhões aos cofres públicos, diga-se de passagem. E se houvesse um gasto equivalente com o hip hop? Estaríamos preparados para uma democracia, com igualdade de tratamento, deste tipo? Qual destes segmentos (hip hop e música clássica) possue mais adeptos entre o povo paulista, aquele que efetivamente "paga a conta"?


No show "Amigos", organizado pela Rede Globo e com as principais duplas sertanejas do país, no qual morreram mais de 10 pessoas pisoteadas, o "silêncio" da imprensa foi o mesmo. Alguém imaginaria uma manchete assim:

Morrem 10 pessoas em show de Zezé de Camargo e Luciano, Xitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo organizado pela Rede Globo?

Não. Até porque, não existiu mesmo...

E a polícia? Alguém viu a polícia batendo no público da Virada Cultural onde ocorreram os incidentes de violência que a imprensa não noticiou, da mesma forma como bateu no público do hip hop? Você imaginaria: num show aberto e gratuito da OSESP, acontece um incidente de violência e a polícia sai "descendo a borracha" no público, indiscriminadamente? Ou o maestro da OSESP tomando "geral" no show seguinte, como o Rapin' Hood tomou em 2007?

É parceiro, pense melhor no seu voto para o governo do Estado de SP este ano...

(clique aqui para ler "Hip Hop na mira do Serra")


Precisamos compreender que, num dia comum, acontecem homicídios, brigas ou confusões em uma metrópole como São Paulo. Porque não aconteceria num evento que aglutina milhões de pessoas, independente de que artista está tocando ou que tipo de público está assistindo? Obviamente, o governo deve trabalhar para evitar qualquer incidente de violência. Agora, quando nos depararmos com um pela frente, não podemos reagir de forma preconceituosa ou com hipocrisia...

Mais uma vez, o estilo de música que melhor têm retratado a realidade da cidade de São Paulo, de forma nua e crua, fica do lado de de fora da festa. Isto porque, como dizem os críticos do movimento negro, não existe segregação racial institucionalizada no Brasil, como houve na África do Sul ou nos EUA. Será?


Leia mais em: Babel Black

sábado, 15 de maio de 2010

Harlem: Charme, Cultura e Intelectualidade





O Harlem é uma área privilegiada de New York City. Ao contrário dos demais guetos negros da cidade (Bronx, Brooklyn e Queens), o Harlem fica no centro de NY City, na ilha de Manhattan. É um dos poucos lugares onde sobraram áreas verdes na ilha, talvez devido às características de seu terreno. Fica na parte norte da ilha, acima do Central Park. Os primeiros a ocuparem este espaço foram os holandeses, no séc. XIX.


No início do séc. XX o Harlem era um bairro próspero. Suas moradias eram confortáveis, com energia elétrica, aquecimento e gás encanado. Haviam escolas, bibliotecas, metrô, enfim, serviços públicos de qualidade para a época, que faziam das ruas do Harlem lugares vivos, movimentados. Entretanto, não havia poluição, nem barulho, algo incomum no restante da ilha. Um ciclo de altas nos preços dos aluguéis, devido a uma onda de especulação desencadeada por melhorias no transporte público, levou o Harlem a sofrer com uma uma crise imobiliária.


Neste mesmo momento de crise vivida pelo Harlem estava em curso nos EUA um processo de imigração negra. Os descendentes de escravos libertos visavam fugir do sul segregacionista para o norte desenvolvimentista e industrial. A ocupação de prédios degradados abandonados pelos brancos, nos limites das grandes cidades, vai gerar os primeiros cinturões negros, o berço dos primeiros guetos. Estes guetos vão abrigar uma multidão de homens e mulheres negros desassistidos pelo Estado após o fim da escravidão. Mas lá residiam também alguns negros que romperam a barreira social e alcançaram alguma condição econômica melhor. Esta classe média negra não era aceita nos bairros brancos.

HARLEM - Convent Avenue Brownstones por Professor Bop.

A história nos conta que, após uma briga entre dois sócios, donos de um prédio no Harlem, um deles queria levar o outro a falência. Assim, tramou um plano: convidar um negro para administrar sua parte no prédio. O genial empreendedor Philip Payton assumiu o controle e criou a Afro-American Realty Company, iniciando um processo de ocupação negra do Harlem. Ao contrário do que se pensava, a classe média negra, carente de áreas mais nobres onde pudesse fixar residência, mas com poder aquisitivo para custear os aluguéis, começa a ocupar o bairro. Este processo se deu sob forte repressão: artigos em jornais, abaixo assinados, associações, os brancos usaram de todos os métodos possíveis para manterem o controle sobre a área. Inutilmente, é claro. Os negros podiam pagar e a presença negra, a esta altura já uma realidade concreta, era um processo incontornável. Os brancos começam a sair do bairro. Outros brancos, em busca de moradia, preferiam outros bairros étnicos, onde não tivessem de conviver indesejadamente com negros. Não queriam se contaminar por uma cultura, uma moral, uma religião e um comportamento diferente, por parte de um povo "inferior" e "não-civilizado", recém liberto da escravidão.


A história mostra que o povo nova-iorquino é formado pela mistura de diversas origens. Asiáticos, latinos, europeus... Não há uma maioria étnica absoluta, como aconteceu em Boston (irlandeses) ou em Chicago (poloneses). Assim, não houve violência racista, como em outras cidades norte-americanas, como linchamentos, explosão de bombas, pessoas queimadas vivas, ataques da Ku Klux Klan e coisas do gênero. A heterogeneidade impôs ao nova-iorquino a necessidade de conviver "pacificamente". Isto não significa que não houveram manifestações racistas. Muito pelo contrário. Mas era um racismo que não usava de violência física como no resto do país.

JAZZ - Minton's Playhouse Mural, Harlem por Professor Bop.

Logo o Harlem passa a abrigar uma intelectualidade que vai ser a mola propulsora da luta pelos direitos civis nos EUA. Lá formaram-se a NAACP, National Association for the Advancement of Coloured People, em 1908, e a Urban League, em 1911, duas das principais organizações negras dos EUA. Era a meca negra norte-americana, símbolo de prosperidade e uma nova vida para os afro-americanos. A "terra prometida" era a imagem da juventude. Falar do Harlem era falar de Jazz, de cultura e de modernidade. Hoje, após o fim do welfare state (estado de bem estar social) e do implemento das políticas neoliberais, o Harlem perdeu parte de seu charme e é um gueto decadente. No entanto, nada tira por completo o brilho de um bairro que abriga o Apollo, por exemplo, casa que revelou grandes talentos como artista pop Michael Jackson e a cantora Ella Fitzgerald. No Harlem viveram o poeta Langston Hudges, o intelectual W.E.B. Dubois, o pintor Aaron Douglas, os músicos Luckey Roberts e Jimmie Lanceford, entre outros. Artistas como Duke Ellington, Count Basie, Louis Armstrong, Bill "Bojangles" Robinson e Dizzy Gillespie passaram pelas luxuosas Casas de Espetáculo do Harlem.

Obs.: Este texto é um resumo de um tópico de um capítulo de meu TCC que está em andamento.

Fonte:

MUHLSTEIN, Anka. "A Ilha Prometida: A História de Nova Yorque, do Séc. XVII aos Nossos Dias". Tradução: Julio Cast Non Guimarães. São Paulo: Companhia das Letras. 1991.



sábado, 1 de maio de 2010

MC Eiht - All Starz & Strapz Vol. II



Enquanto o álbum oficial não vêm... MC Eiht nos premiou com mais esta obra prima em forma de MixTape: "All Starz & Strapz - Vol. II". Produzida pelo conhecido DJ Nick Bean, a exemplo do que já havia acontecido no volume 1, esta MixTape traz músicas inéditas e gravações em cima de bases de outros rappers, o que é uma tradição nas MixTapes gringas. Melhor "pra noiz", que poderemos ouvir o Eiht cantando em bases inusitadas, como "Red or Not" do Fugges, "You Know My Steez" do Gang Star (R.I.P. Guru), "Can It Be All So Simple" do Wu-Tang Clan, Geto Boys, DMX, Eazy E e por aí a fora...

Ouça, pois não vou estragar todas as surpresas. O play está disponível para download gratuito aqui: DubCNN. O mais interessante é notar que o Eiht usou bases inusitadas, muitas de grupos que fogem ao tradicional Gangsta Rap do MC de Compton. Já a algum tempo o Eiht vêm flertando com a música da East Coast, estilo New York... Confira, por exemplo, a faixa com Blaq Poet e Young Maylay, "Ain't Nuttin Changed (Remix)". Segundo o Blog do DJ Premier, vem aí uma colaboração entre ele e Eiht (leia aqui).

Mas, fãs de G Rap que conferem meu Blog, não se desesperem: Eiht é Eiht. A MixTape também trouxe uma série de faixas inéditas que caberiam muito bem num CD convencional. Será que Eiht está escondendo o ouro para o lançamento do seu trampo oficial? Não sei, vamos aguardar. Enquanto isso, ouça a música 2 "You see what's in my hand", uma pancada sonóra. Old School total... Essa é para a nova geração que insiste nos Chris Brown's da vida: existe rap muito melhor! Ainda bem...

As faixas 4 e 6, respectivamente "Paybacc" e What we do", vieram na mesma linha. Classe A. "Dat's me" e "Cpt all day" (faixas 13 e 15) lembram o poderoso CMW. "Everybody get high" (16º som) é um G Funk clássico, outro ponto alto do CD. "Another story" (22ª) é um G Funkão muito louco também, mais dançante, com um refrão bem Disco Music (anos 80), cabe em qualquer pista. As faixas apresentadas a algum tempo atrás pelo Blog (leia o post aqui - furo de reportagem nosso) estão lá também, na íntegra, com uma mixagem aprimorada. Podem ser conferidas também em nosso Top 10, na barra acima.

Enfim, fica a dica aqui. Vale o download, com certeza. Dá pra soltar o play na faixa 1 e ouvir o CD inteiro sem vacilar.