sábado, 20 de março de 2010

O Rap Está de Luto: Dina Di





Tive a honra de frequentar o Nifama, um clube tradicionalíssimo de Campinas, onde tocavam W Sigilo (Sistema Negro), DJ O.G. (o Necão, do Visão de Rua na época), Kid Nice (Sistema Negro), DJ Master Jay (Ststema Negro), entre outros. Lá não tinha "Lomba-Lomba". Só o "cream de la cream", a "nata" do rap frequentava o local. De lá saiu toda uma geração. Ninguém ia à escola nas quintas-feiras. Vi nascer o Visão de Rua lá...

Me lembro do programa "Mr. Rap", que tocava a faixa "Confidências de Uma Presidiária" todos os dias. De um concurso no Nifama saiu a coletânea "Rap is Rap", pela Nosso Som/Discool Box. Nesta coletânea estava presente o Facção Central, também despontando, além do Visão de Rua.

Na primeira formação do grupo, a melhor em minha opinião, estavam Tum e DJ O.G., além da Dina Di. Esta formação durou até o "Herança do Vício". Depois, Dina Di gravou umas paradas sozinha. No "Ruas de Sangue", Lia entra no lugar de Tum. Em "A Noiva do Thock" (meu preferido), sai também o DJ O.G. e a Lia e Dina já está em São Paulo. No álbum "O Poder nas Mãos", o último, Dina Di abandona o próprio nome Visão de Rua e se coloca como Dina Di sólo pra valer.

A história de Viviane, a Dina Di, é uma história de luta, acima de tudo. Tenho orgulho dela ter se projetado aqui em Campinas. As passagens pela Febem, a perda trágica do pai (um mestre de obras que morreu engasgado com um pedaço de carne num boteco) e da mãe (que morreu asfixiada com um pano na garganta, amarrada em fios de varal), a saída de Campinas em busca de um recomeço, a distância do filho, a prisão do Thock (o marido)... O rap dela nunca foi de "meias verdades". Ela cantava o que era. Ironicamente, uma rapper que abordava como ninguém a condição da mulher em nossa sociedade, morre num parto de infecção. Como disse uma mulher que não se identificou num comentário abaixo, no post anterior, nem parece que estamos em pleno séc. XXI.

O álbum "A Noiva do Thock" marcou um momento importante de minha vida. É um trabalho impressionante, que aborda temas sentimentais sem ser piegas ou demagógico. Fala dos dramas de quem está por aí, na correria. Impossível não se identificar. Minhas filhas ouvem e gostam, se identificam desde cedo. Conhecem as letras. É de arrepiar. Isto sem falar em outros clássicos, como "Mente Engatilhada", que eu ouvi até quase furar o disco.

Mas Dina Di deixa um legado. Foi a primeira mulher a abordar temas como o sistema penitenciário feminino (Confidências de Uma Presidiária); a violência doméstica (Dormindo com o agressor); a situação de mulheres que têm maridos presos (A Noiva do Thock e Do Lado de Fora da Muralha); e a exposição do corpo feminino na mídia (Corpo em Evidência), entre outros... Poderia ter tido mais espaço. Merecia mais reconhecimento. Fica os parabéns aos que sempre reconheceram o seu talento, como Kid Nice e DJ KL Jay.

No dia 26 de novembro de 2009, no Canecão, a MC recebeu o prêmio Hutuz (Organizado pela CUFA/MV Bill) de maior cantora de rap do séc. XXI das mãos da cantora Marina Lima e da jogadora Ana Paula.

Ela já havia ganho o Prêmio Hutuz de melhor grupo de rap feminino em 2000 e 2001. Em 2003 Dina Di foi indicada para 3 categorias: melhor música (A Noiva do Thock), melhor grupo ou artista solo e melhor album. As faixas "Corpo em Evidência", "Amor e Ódio" e "A Noiva do Thock" ficaram entre as mais tocadas no programas de rádio especializados em rap.

Seus filhos e seu marido vão ter sempre de quem se orgulhar. Dina Di foi mais uma brasileira que tinha tudo para dar errado, mas teimava em dar certo, até o fim. Literalmente. Descanse em paz - R.I.P. Dina Di!

LUTO!

Homenagem a Dina Di, a maior expressão feminina do rap brasileiro. Aqui seguem os álbuns de estúdio (4) e as participações em coletâneas (as mais relevantes, em minha opinião).

1995



Confidências de Uma Presidiária (1995)
Coletânea "Nosso Som é: Rap is Rap"
1996



Periferia é o Alvo (1996)
Single c/ participação e produção de Kid Nice (Sistema Negro)
1998



Herança do Vício (1998)
1 º Álbum de Estúdio
2000



Mente Engatilhada (2000)
Coletânea "KL Jay na Batida Vol. 2"
(produção de KL Jay - Racionais Mc's)



Filho (2000)
Coletânea "Brazil 1: Escadinha, Fazendo Justiça com as Próprias Mãos"
2001



Ruas de Sangue (2001)
2º Álbum de Estúdio
2003



A Noiva do Thock (2003)
3º Álbum de Estúdio
2004



Dormindo com o Agressor (2004)
Coletânea "Microfone Aberto"
(produção de KL Jay - Racionais Mc's)
2008


O Poder nas Mãos (2008)
4º Álbum de Estúdio

3 comentários:

http://wandekoloko.blogspot.com disse...

TRISTEZA!!!

É uma perda inestimável, dificil descrever o sentimento!

Ela fez a cabeça de muita gente mudar, mostrou que mulher não é só tema de RAP. MULHER PODE CANTAR, ESCREVER, PRODUZIR E FAZER TANTAS OUTRAS COISAS COM MUITO MAIS QUALIDADE QUE NÓS!

LAMENTO MUITO A PERDA! VAI-SE A ARTISTA MAS FICA A OBRA MARAVILHOSA QUE ELA CRIOU E SEMPRE QUE ALGUÉM TOCAR SEU SOM ELA VAI ESTAR VIVA DENTRO DE NÓS!

SAUDADES...

Wadekoloko

Bi@ Laurindo disse...

É, tbm fiquei sabendo sobre a Viviane, conheci seu trabalho no NIFAMA, onde eu marcava presença toda quinta, também participei do concurso RAP is Rap,com meu grupo "LIBERDADE DE EXPRESSÃO", eu e a roberta (irmã da tum do visao de rua) eramos vocais e a tampa a dj bons tempos aquele...saudades mil!

Reginaldo Silva disse...

Cara, você me fez chorar. Me lembro do Nifama às quintas e da Viviane: "ser humano nota 10". Gravei com ela o rap is rap com meu grupo Damasters Mcs (damasteregi, W.D. W.Mc e Dj Silvinho) mas em decorrencia da morte do W.D. (Amarildo) resolvi não seguir. Viviane foi uma grande perca. Perdemos uma voz sana, alguem que não tinha hipocrisia e falava sua realidade diante do contexto em que vivia. Não inventava como um bando de trouxas que estão por ai fazendo comedia(desculpe as palavras mas não aguentei).Que o Senhor possa guarda-la num bom lugar. Queria reve-la de novo pra conversarmos... E Nifama é sem palavras. Curti também a casa de portugal, o flor de Lins e essa casas marcaram. Deus abençoe à todos.
Reginaldo