quinta-feira, 8 de abril de 2010

Emicida, a Mídia e o Rap





A imprensa brasileira não engoliu a atitude crítica e independente do grupo de rap RacionaisMc's diante da mídia até hoje. Ano passado, me recordo de um Globo Repórter onde o tema era o rap e o apresentador disse com todas as letras que o Racionais Mc's se negaram a conceder entrevista. No mesmo ano em que o Ronaldo fenômeno lascou "Negro Drama", uma paulada do Racionais Mc's, no quadro do Fantástico "artilheiro musical", onde quem faz 3 gols pede a música. Foi de arrepiar, por toda a simbologia...

Desde a premiação da MTV, onde o Racionais Mc's ganhou a maior categoria (escolha da audiência), a única onde quem decide é o público e não o "lob" das gravadoras, o Racionais Mc's se nega a dar entrevistas a grandes veículos de imprensa. A TV Cultura e a MTV são as exceções. A rapper Lauryn Hill, há alguns anos, em sua passagem pelo Brasil, disse também que somente daria entrevista à Globo se ela mandasse um repórter negro. Isto irritou profundamente a direção de jornalismo da emissora, que soltou uma nota afirmando que a emissora não era racista... É claro, da maior liderança entre os veículos que combatem a política de cotas, não se esperaria outra coisa. Segundo Ali Kamel (leia-se a Globo), não existe racismo no Brasil.

Interessante notar que muitos jornalistas vestem a camisa de seus patrões, não sei se por ignorância ou sobrevivência, e se "vingam" do rap e do movimento hip hop mais crítico e militante. Volta e meia eu leio um artigo absurdo afirmando que o Marcelo D2 é melhor que o Racionais Mc's, ou que ele foi o primeiro rapper brasileiro a usar sampler's nacionais, o que é uma grande mentira...

Emicida e a Imprensa

Há alguns dias atrás, li um artigo sintomático sobre o rapper Emicida (clique aqui para ver). A imprensa, louca para encontrar no hip hop um boneco de ventríloco que ecoe seus interesses, achou no rapper Emicida um porta voz. Venho acompanhando todo o zum zum zum em torno do Emicida desde que ele surgiu. Inclusive, acho que a idéia de vender mixtapes em shows (comum lá fora, novidade por aqui) foi legal. Gostei também da aparição dele na TV Cultura, no Trama Virtual. Só que, uma coisa é o Freestyle, outra coisa é o rap convencional. Aí, falta consistência para as letras dele.

O caso é que, na entrevista em questão, o Emicida fez o jogo da grande mídia (no jornal mais conservador de São Paulo). A elite brasileira aceita "tolerar" o rap, assim como fez com o funk, pois já percebeu que é um "mal que veio pra ficar...". Na visão deles, o rap é até divertidinho, desde que seja inofensível ao sistema, não apontando suas contradições, o que geraria descontentamento social e conscientização do povo, proporcionando mudanças perigosas. No país da desigualdade social, o rap que interessa é o rap "bem educado", dentro do controle da elite e aceitando "jogar o jogo" do mainstream.

Emicida se desvincula do rap nacional ao dizer que aposta em novas fórmulas. Se diz influenciado pelo grande samba de raiz, o que agrada os setores da classe média que consomem "cultura popular" e acham o rap americanizado. Critica os editais, os quais julga "tendenciosos, por premiarem trabalho social e não qualidade". "Bela fala" de crítica a um procedimento transparente de repasse de verbas (coincidentemente em ano eleitoral), diferente do balcão de negócios que geralmente acontecia no poder público na área de cultura, para o qual ele fecha os olhos, obviamente. Critica o rap de temática social, que julga estar desgastado, e atira até pra cima do Racionais Mc's, que na visão dele, estaríam ultrapassados. Porque então o Racionais Mc's vendem tanto, mais do que muitos artistas consagrados, com investimento pesado das gravadoras em jabás e aparições na grande mídia?

Não sei até que ponto as falas da entrevista correspondem na realidade ao que foi dito pelo Emicida. De qualquer forma, tá lá escrito. Já vi vários grupos de rap se prestando a este papel. Nenhum deles sobreviveu. Já o Racionais Mc's segue firme, afrontando a elite brasileira e seus grandes veículos de comunicação. Sou mais eles.

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