"Nós marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá, e até então não nos chegou, rompemos o véu negro que nos cobria aos olhos do enganado e patriótico povo. Achando-se todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os oficiais... Reformar o código imoral e vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; aumentar o nosso soldo... educar os marinheiros que não têm competência para vestir a orgulhosa farda... Tem V. Excia. o prazo de 12 horas para mandar-nos a resposta satisfatória, sob pena de ver a pátria aniquilada... (assinado) marinheiros."
Este foi o ultimato enviado ao presidente da República, Hermes da Fonseca, pelo grupo de marinheiros rebeldes liderados por João Cândido em 23 de novembro de 1910. A chamada "Revolta da Chibata" foi um movimento contra a alimentação estragada servida aos marinheiros, contra os castigos corporais e o racismo. A tradição brasileira seguia costumes herdados da escravidão e de diferentes esquadras, como a inglesa, que impunha a chibata aos marinheiros.
A marinha de guerra brasileira era das mais fortes do mundo à época. Aqueles que duvidaram que marinheiros semi-analfabetos pudessem manobrar uma das mais potentes esquadras do mundo tremeram depois sob a mira de João Cândido, o "almirante negro". Com o governo Hermes da Fonseca recém-empossado e o apoio da população do Rio de Janeiro, o Congresso aprovou as reivindicações dos marinheiros, inclusive a anistia, no dia 25 de novembro.
João Cândido confiou na decisão e retirou as bandeiras vermelhas dos mastros. O governo lançou violenta repressão, mesmo sob a reação dos marinheiros, com dezenas de mortes e centenas de deportações. João Cândido foi preso e permaneceu encarcerado durante 18 meses, em prisão subterrânea, sob protesto de políticos como Rui Barbosa. Foi internado em hospital de alienados e, novamente preso e solto, após alguns anos. Tuberculoso, conseguiu restabelecer-se e sobreviver como vendedor do mercado de peixes no Rio de Janeiro, onde morreu em 1969, sem patente e na miséria.
A sua memória foi resgatada pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc, no samba O mestre-sala dos mares, que levou este nome porque o título "Almirante Negro" não agradou a censura na época.
Existe um projeto de lei no Senado que concede anistia post mortem ao almirante negro João Cândido Felisberto.
Fonte: Texto de Roberta Amaral (clique aqui)