O Harlem é uma área privilegiada de New York City. Ao contrário dos demais guetos negros da cidade (Bronx, Brooklyn e Queens), o Harlem fica no centro de NY City, na ilha de Manhattan. É um dos poucos lugares onde sobraram áreas verdes na ilha, talvez devido às características de seu terreno. Fica na parte norte da ilha, acima do Central Park. Os primeiros a ocuparem este espaço foram os holandeses, no séc. XIX.
No início do séc. XX o Harlem era um bairro próspero. Suas moradias eram confortáveis, com energia elétrica, aquecimento e gás encanado. Haviam escolas, bibliotecas, metrô, enfim, serviços públicos de qualidade para a época, que faziam das ruas do Harlem lugares vivos, movimentados. Entretanto, não havia poluição, nem barulho, algo incomum no restante da ilha. Um ciclo de altas nos preços dos aluguéis, devido a uma onda de especulação desencadeada por melhorias no transporte público, levou o Harlem a sofrer com uma uma crise imobiliária.
Neste mesmo momento de crise vivida pelo Harlem estava em curso nos EUA um processo de imigração negra. Os descendentes de escravos libertos visavam fugir do sul segregacionista para o norte desenvolvimentista e industrial. A ocupação de prédios degradados abandonados pelos brancos, nos limites das grandes cidades, vai gerar os primeiros cinturões negros, o berço dos primeiros guetos. Estes guetos vão abrigar uma multidão de homens e mulheres negros desassistidos pelo Estado após o fim da escravidão. Mas lá residiam também alguns negros que romperam a barreira social e alcançaram alguma condição econômica melhor. Esta classe média negra não era aceita nos bairros brancos.
A história nos conta que, após uma briga entre dois sócios, donos de um prédio no Harlem, um deles queria levar o outro a falência. Assim, tramou um plano: convidar um negro para administrar sua parte no prédio. O genial empreendedor Philip Payton assumiu o controle e criou a Afro-American Realty Company, iniciando um processo de ocupação negra do Harlem. Ao contrário do que se pensava, a classe média negra, carente de áreas mais nobres onde pudesse fixar residência, mas com poder aquisitivo para custear os aluguéis, começa a ocupar o bairro. Este processo se deu sob forte repressão: artigos em jornais, abaixo assinados, associações, os brancos usaram de todos os métodos possíveis para manterem o controle sobre a área. Inutilmente, é claro. Os negros podiam pagar e a presença negra, a esta altura já uma realidade concreta, era um processo incontornável. Os brancos começam a sair do bairro. Outros brancos, em busca de moradia, preferiam outros bairros étnicos, onde não tivessem de conviver indesejadamente com negros. Não queriam se contaminar por uma cultura, uma moral, uma religião e um comportamento diferente, por parte de um povo "inferior" e "não-civilizado", recém liberto da escravidão.
A história mostra que o povo nova-iorquino é formado pela mistura de diversas origens. Asiáticos, latinos, europeus... Não há uma maioria étnica absoluta, como aconteceu em Boston (irlandeses) ou em Chicago (poloneses). Assim, não houve violência racista, como em outras cidades norte-americanas, como linchamentos, explosão de bombas, pessoas queimadas vivas, ataques da Ku Klux Klan e coisas do gênero. A heterogeneidade impôs ao nova-iorquino a necessidade de conviver "pacificamente". Isto não significa que não houveram manifestações racistas. Muito pelo contrário. Mas era um racismo que não usava de violência física como no resto do país.
Logo o Harlem passa a abrigar uma intelectualidade que vai ser a mola propulsora da luta pelos direitos civis nos EUA. Lá formaram-se a NAACP, National Association for the Advancement of Coloured People, em 1908, e a Urban League, em 1911, duas das principais organizações negras dos EUA. Era a meca negra norte-americana, símbolo de prosperidade e uma nova vida para os afro-americanos. A "terra prometida" era a imagem da juventude. Falar do Harlem era falar de Jazz, de cultura e de modernidade. Hoje, após o fim do welfare state (estado de bem estar social) e do implemento das políticas neoliberais, o Harlem perdeu parte de seu charme e é um gueto decadente. No entanto, nada tira por completo o brilho de um bairro que abriga o Apollo, por exemplo, casa que revelou grandes talentos como artista pop Michael Jackson e a cantora Ella Fitzgerald. No Harlem viveram o poeta Langston Hudges, o intelectual W.E.B. Dubois, o pintor Aaron Douglas, os músicos Luckey Roberts e Jimmie Lanceford, entre outros. Artistas como Duke Ellington, Count Basie, Louis Armstrong, Bill "Bojangles" Robinson e Dizzy Gillespie passaram pelas luxuosas Casas de Espetáculo do Harlem.
Obs.: Este texto é um resumo de um tópico de um capítulo de meu TCC que está em andamento.
Fonte:
MUHLSTEIN, Anka. "A Ilha Prometida: A História de Nova Yorque, do Séc. XVII aos Nossos Dias". Tradução: Julio Cast Non Guimarães. São Paulo: Companhia das Letras. 1991.
2 comentários:
excelente texto! muito bem resumido. Parabens!
Mto bom, ajudou no meu trabalho sobre o Harlem..obrigada.
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