A Virada Cultural de São Paulo se tornou um evento comemorado por todos. Para governos que não possuem uma política cultural, como o do Estado de SP e o da capital (você se lembra de algum outro projeto de peso?), qualquer ação seria bem vinda, ainda que ela não esteja inserida num planejamento de médio e longo prazo e seja uma intervenção pontual apenas. De qualquer forma, embora haja um grau de aceitação (até por parte de setores da esquerda...) com relação à Virada Cultural, existem problemas a serem corrigidos, que são uma consequência da própria visão preconceituosa que organiza o evento. Senão, vejamos.
Em 2006, uma confusão, provocada pela atuação da polícia (veja o que escrevi na época aqui e aqui também) estabeleceu um tumulto num show do Racionais MC's. Este tumulto foi alardeado pelos 4 cantos do país, pela imprensa tupiniquim. A sociedade se colocou, de forma hipócrita e preconceituosa, contra o hip hop, criminalizado pela mídia e pelo próprio Governo do Estado de SP. Tanto que, em 2007, um único palco isolado abrigou o hip hop, sob revista e num espaço fechado. Foi o único segmento musical tratado assim, como "leprosos", sob "geral" e num espaço fechado, isolado enquanto manifestação dos demais estilos musicais, totalmente fora do próprio espírito da Virada Cultural. De lá pra cá, o hip hop foi sendo sistematicamente excluído da Virada Cultural, ao ponto de em 2010 o movimento organizar uma Virada Alternativa.
Tudo isto seria lamentável, de qualquer forma. Em se tratando de uso de dinheiro público, pior...
O mais interessante, e não menos lamentável, é a postura da sociedade e da imprensa este ano.
Após a Virada Cultural ter deixado como saldo 1 morte, 4 feridos e um episódio de agressão à profissionais da TV Cultura, que saíram sob escolta da tropa de choque, a imprensa "evitou" tocar no assunto. Será que foi porque o Serra é candidato à presidência? Somente o jornal "Estadão", mas sem muito destaque, e o portal "Yahoo!", que reproduziu a matéria, repercutiram o fato. E, é claro, sem citar os artistas envolvidos nos palcos dos shows onde ocorreram os incidentes. O que é até interessante, por bom senso, evitando culpar os artistas pelas ocorrências ou estigmatizar o público de um estilo musical específico. Mas, porque com o Racionais MC's a postura foi diferente?
Eu digo: porque nossa sociedade considera o hip hop uma manifestação cultural inferior, feita por pretos, putas e pobres, que não é digna de apoio do Estado, com dinheiro público. Ou seja, por preconceito de raça e de classe, fundamentado na ignorância.
Você já ouviu alguém questionar o recurso gasto com a OSESP, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo? Mesmo não gostando de musica clássica, o cidadão paulistano médio não questiona esta política do governo, que custa milhões aos cofres públicos, diga-se de passagem. E se houvesse um gasto equivalente com o hip hop? Estaríamos preparados para uma democracia, com igualdade de tratamento, deste tipo? Qual destes segmentos (hip hop e música clássica) possue mais adeptos entre o povo paulista, aquele que efetivamente "paga a conta"?
No show "Amigos", organizado pela Rede Globo e com as principais duplas sertanejas do país, no qual morreram mais de 10 pessoas pisoteadas, o "silêncio" da imprensa foi o mesmo. Alguém imaginaria uma manchete assim:
Morrem 10 pessoas em show de Zezé de Camargo e Luciano, Xitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo organizado pela Rede Globo?
Não. Até porque, não existiu mesmo...
E a polícia? Alguém viu a polícia batendo no público da Virada Cultural onde ocorreram os incidentes de violência que a imprensa não noticiou, da mesma forma como bateu no público do hip hop? Você imaginaria: num show aberto e gratuito da OSESP, acontece um incidente de violência e a polícia sai "descendo a borracha" no público, indiscriminadamente? Ou o maestro da OSESP tomando "geral" no show seguinte, como o Rapin' Hood tomou em 2007?
É parceiro, pense melhor no seu voto para o governo do Estado de SP este ano...
(clique aqui para ler "Hip Hop na mira do Serra")
Precisamos compreender que, num dia comum, acontecem homicídios, brigas ou confusões em uma metrópole como São Paulo. Porque não aconteceria num evento que aglutina milhões de pessoas, independente de que artista está tocando ou que tipo de público está assistindo? Obviamente, o governo deve trabalhar para evitar qualquer incidente de violência. Agora, quando nos depararmos com um pela frente, não podemos reagir de forma preconceituosa ou com hipocrisia...
Mais uma vez, o estilo de música que melhor têm retratado a realidade da cidade de São Paulo, de forma nua e crua, fica do lado de de fora da festa. Isto porque, como dizem os críticos do movimento negro, não existe segregação racial institucionalizada no Brasil, como houve na África do Sul ou nos EUA. Será?
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